Dicas

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Jesus vai em um Rolls-Royce à igreja do Reverendo Dollar 27/11/07 por Jorge MAJFUD.
















Em um movimento político pouco usual, o senador republicano por Iowa, Charles Grassley, iniciou uma investigação sobre possíveis práticas econômicas irregulares dos maiores telepastores dos Estados Unidos. Daí derivou-se o questionamento sobre um costume comum na maioria dos países do continente: as igrejas estão isentas de pagar impostos, enquanto seus líderes, pastores e empresários ficam cada dia mais ricos.
Este privilégio para as igrejas está ampardo, nos Estados Unidos e na América Latina, sob o aceito princípio de liberdade de religião. Não está claro, entretanto, porque o pagamento de impostos por uma igreja poderia significar um ataque à liberdade de culto. A prescrição de dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus não ocorre nesses casos. Nem sequer quando o César é o próprio povo que deve trabalhar para manter essas fabulosas estruturas lucrativas. Em uma recente entrevista ao vivo por CNN (7 de novembro), Kyra Phillips e Don Lemon questionaram nosso vizinho de College Park, da Georgia, o multimilionário reverendo Creflo Dollar, por possuir dois Rolls-Royces, jatos privados, casas e apartamentos de vários milhões de dólares cada um, além de uma igreja multimilionária enriquecida pelas doações de ricos e pobres, muitos deles com sérias dificuldades econômicas.















Esses ministérios são qualificados como igrejas, e não estão obrigados a preencher declarações de impostos como sim devem fazê-lo outras non-profit organizations (organizações sem fins lucrativos). A tradição de justificar as riquezas materiais enquanto se predica o desprendimento do mundano para a salvação da alma é muito antiga. A Igreja católica tem sido — com exceções, como os teólogos da libertação e outros “padres de periferia”— há muito tempo, especialista na matéria. No caso das mega-igrejas protestantes, além de uma prática empresarial, a tradição está apoiada pela ética calvinista: a riqueza não é um obstáculo para entrar no Paraíso, mas uma prova das preferências de Deus, que resolveu castigar os pobres por sua pobreza. Este aspecto teológico é muito semelhante ao karma hindu, e seus resultados sociais também: a moral da alta casta é consumida, principalmente, pelas castas mais baixas. Em todo o caso, os pobres servem para que os ricos exerçam sua compaixão pagando periodicamente impostos morais que, mais tarde, servirão para financiar seu descanso no Paraíso.Um dos jornalistas de Atlanta recordou ao reverendo Dollar a recomendação que fez Jesus ao jovem rico que foi lhe pedir conselho, de se desprender de seus bens materiais para entrar no Reino dos Céus. Recomendação que terminou com a tristeza do homem rico e a observação do Mestre sobre a dificuldade que poderia ter para entrar no Céu, como a de um camelo que quisesse passar pelo buraco de uma agulha. Não obstante, o reverendo Dollar argumentou que se isso fosse exatamente assim, nenhum rico poderia entrar no Paraíso. Deste raciocínio se deduz que o Messias devia estar brincando ou talvez exagerasse um pouco. Está correto que o Filho de Deus baixou à terra com um montão de utopias subversivas, mas tampouco era para tanto. Com a realidade não se pode.
Citando artigo e versículo correspondente, o reverendo recordou que, na realidade, Jesus havia dito que para cada coisa que a pessoa se desprendesse receberia um prêmio multiplicado várias vezes. Alguns pensamos que Jesus se referia ainda a um prêmio moral ou ao Reino dos Céus; não ao Reino do Dinheiro. Mas sempre é tempo de aprender. Por essa nova razão teológica, segundo o Evangelho do Dinheiro, a riqueza de um homem com fé — com fé no Senhor — significa que foi premiado por seu hábito de se desprender generosamente de uma parte de suas posses. Não outra é a lógica da Bolsa de Valores: quem investe, separa-se de algo para multiplicá-lo. Nenhum empresário razoável espera investir um dólar em Wall Street, em Amsterdã ou em Xangai para receber um beijo ou a ascensão espiritual de que falava o Buda. Espera-se receber mais do mesmo: dinheiro, capitais, lucros financeiros. Aqui, os valores não são valores morais, nem um bem é o que se opõe ao mal.No século XVI, investir em indulgências significava que por alguns florins de ouro um violador podia obter o perdão do Vaticano e, conseqüentemente, o perdão de Deus. Mais antigo, e em curso, é a lavagem da consciência com o bom uso da esmola. A instituição da esmola é fundamental, porque o desprendimento deve ser voluntário e sem comprometer os ganhos. Como dizem muitos conservadores religiosos pela televisão, com sua eterna ansiedade proselitista, só assim, por um ato de vontade, prova-se a bondade do doador. Se a bondade passa pelo Estado, mediante a compulsiva cobrança de impostos aos ricos, estes eleitos de Deus, comete-se um sacrilégio. Deus não pode distinguir quem paga impostos de boa vontade e quem o faz com rancor. Tampouco Deus pode receber no Paraíso toda a Humanidade. Assim não vale. O Paraíso é um resort VIP com acesso limitado, não um direito democrático. Algumas igrejas, inclusive, definiram o número exato de membros possíveis. Como se no dia da criação da Humanidade, Deus houvesse se divertido imaginando um Inferno eterno onde arderiam suas pequenas criações, para regozijo de seus poucos preferidos, que contemplariam das alturas semelhante espetáculo de tortura coletiva, ou pior, virando a face ao horrível destino de seus irmãos.Não vamos dizer que necessitamos um Deus mais humanista, porque se supõe que existe Um só. Não vamos dizer a Deus o que tem de fazer. Em todo caso, não faria mal uma leitura mais humanista das Sagradas Escrituras para deixar de lhe atribuir condutas tão sectárias, materialistas e cheias de ódio ao criador de Tudo.O mexicano José Vasconcelos, fervoroso opositor da hegemonia norte-americana, recordou em “La raza cósmica”(1925) uma festa diplomática no Brasil: “Contrastou visivelmente a pobreza da recepção americana com o luxo de outras recepções; mas em honra da verdade, a mim parece admirável e digno de imitação o proceder ianque, pois os governos não têm o direito de fazer esbanjamentos com o dinheiro do povo”. Entretanto, assim como os Estados Unidos haviam sido fundados por revolucionários que se opunham à tradição monárquica e religiosa da Europa, e agora se identificam com os valores opostos do conservadorismo ortodoxo, assim também o original espírito “republicano”, que foi sinônimo de austeridade e democracia, hoje representa a ostentação e o elitismo. Assim também o cristianismo primitivo era todo ao contrário em comparação ao hoje triunfante cristianismo do imperador (São) Constantino.Quase ao final da entrevista, o jornalista lhe perguntou se pensava que Jesus teria passeado em um Rolls Royce, ao que o reverendo Dollar respondeu, com calma, algo assim como: “Penso que sim. Por que não? O Senhor andava em um burro no qual nenhum outro homem antes havia montado”.Deixo ao leitor que descubra a lógica deste reverendo raciocínio teológico.














Fonte: http://brigadasinternacionais.blogspot.com/2007_11_01_archive.html

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